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Ensino Remoto

Estratégias offline ampliam acesso às atividades no Vale durante quarentena

Escolas escolhem disponibilizar materiais impressos para garantir aprendizagem dos alunos sem acesso à internet

Publicado em 28/07/2020 às 01:00
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A alternativa encontrada pela rede da professora Ingrid Antunes foi oferecer atividades impressas. Crédito: Tainá Frota/NOVA ESCOLA (Foto: Nova Escola )

“No primeiro momento parecia que a solução seria, com fluidez e tranquilidade, o uso de tecnologias digitais. Mas a realidade de muitos municípios mostra as dificuldades de acesso”, afirma Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e secretário municipal de Educação de Sud Mennucci (SP). A pandemia pegou todo mundo de surpresa e sem chance de planejamento prévio, mas as redes se viram mais despreparadas do que imaginavam. Diante do desafio do ensino remoto, as desigualdades de acesso às tecnologias digitais mostraram-se profundas.

As limitações e diferentes realidades enfrentadas pelas escolas resultaram em uma diversidade de estratégias para trabalhar os conteúdos a distância. Entre elas, os caminhos analógicos (ou off-line) como televisão, rádio, livro didático e materiais impressos. O levantamento “A situação dos professores no Brasil durante a pandemia”*, evidencia a força das estratégias que não requerem o acesso à internet. A pesquisa foi realizada por NOVA ESCOLA entre os dias 16 e 28 de maio e contou com mais de 8,1 mil respondentes da Educação Básica. Entre os materiais utilizados, livros e materiais didáticos aparecem como resposta de 30% dos professores, enquanto 64% indicam que as redes disponibilizaram materiais impressos. 

Essa realidade também foi identificada no levantamento respondido por 3.978 redes municipais de ensino (71% do total dos municípios), realizado pela Undime e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) entre os dias 27 de abril e 04 de maio. De acordo com os dados, 43% das redes (1710 municípios) que adotaram o ensino remoto afirmaram que usam material impresso. “Não tendo conectividade, um ato responsável é compreender o que de fato poderia chegar até o aluno. Daí a percepção de que é o material impresso”, afirma o presidente da Undime. 

"O professor não é formado para trabalhar sem aluno. Nós sabemos o conteúdo e a didática, mas sabemos trabalhar presencialmente com o aluno", afirma Daniele Melo, professora na rede municipal de Carnaíba (PE). A falta de formação (e proximidade) dos educadores com ferramentas digitais e para trabalhar no formato remoto é outro ponto que, para o presidente da Undime, pode ter influenciado a escolha por estratégias analógicas. "Outro fator que certamente impactou a busca pelo tradicional é que o professor está acostumado a utilizar [materiais impressos], tem segurança para fazer", afirma Luiz Miguel. 

Apesar disso, ele acredita que há um movimento de mudança sobre o uso de tecnologia em estratégias pedagógicas e enxerga que o processo vai ser acelerado pela pandemia. "Eu penso que em 5 anos estaremos, com todo esse processo que vivemos, mais avançados do que estaríamos se não fosse a pandemia, porque nós encontraremos novas possibilidades", aposta o presidente. 

Diante desse cenário, NOVA ESCOLA buscou professores que estivessem com atividades impressas neste momento de ensino remoto para contar os motivos da escolha pela estratégia, como funciona a preparação dos materiais e a percepção sobre a experiência: 

Inovando na forma de divulgar os conteúdos 

Quando começou a quarentena, o pequeno município de Pariquera-Açu (SP) não aderiu ao ensino remoto. Preocupadas com seus alunos de 1º ano, Ingrid Antunes, em parceria com uma colega da mesma instituição, decidiu organizar atividades impressas para atender os pequenos que começavam o processo de alfabetização.

Com a aprovação da gestão da escola, as educadoras prepararam os materiais, imprimiram em casa e, então, um novo obstáculo: como entregar? Foi quando lembraram que o pai de um dos alunos era gerente do mercado do bairro da escola – um dos únicos da cidade. Elas organizaram os materiais em envelopes, que ficavam guardados no estabelecimento. Quando as famílias dos alunos do 1º ano iam ao mercado, recebiam as atividades escolares. A estratégia foi muito bem-sucedida. Em maio, o departamento de Educação da cidade aderiu às atividades impressas. 

Parceria com comércios locais também foi a estratégia adotada pela escola de Anderson dos Santos Andrade, professor na rede municipal de Santos (SP), para anunciar o começo das atividades remotas. Eles perceberam que não tinham os contatos de muitas famílias, por isso inovaram para buscar alternativas.

Os educadores tiveram a ideia de preparar vídeos contando o início das atividades remotas. Esses materiais foram disponibilizados em pen drives distribuídos em mercados, padarias e empórios do bairro que eram frequentados pela comunidade escolar. Os vídeos eram transmitidos nos estabelecimentos, que também tiveram cartazes fixados sobre a ação para chamar atenção das famílias. "A proposta era mostrar que a escola estava perto e que logo estaríamos de volta e que eles poderiam ir até à escola buscar as atividades", conta Anderson. Para não deixar dúvidas que seriam vistos, projetaram durante meia hora na parede do sambódromo essa mensagem. O resultado foi muito positivo. Ele conta que depois da ação não tiveram contato com apenas 35 alunos dos mais de 1100 da escola.

No início da quarentena, as férias na rede municipal de João Pessoa (PB) foram antecipadas. Quando acabou esse período, foi decidido que cada instituição teria autonomia para decidir as estratégias que seriam adotadas para o ensino remoto. A escola de Robson Santiago, professor de Língua Portuguesa no Fundamental 2, decidiu que, diante da realidade dos alunos, adotariam os materiais impressos. "Teríamos um alcance muito baixo [com atividades on-line]". Por experiências anteriores em sala de aula, o educador confirma que a decisão foi acertada.  

Diariamente, a secretária entrega nas escolas os kits de alimentação. Uma vez ao mês, desde abril, as famílias também recebem um bloco de quatro apostilas de cada disciplina.

As atividades são pensadas alinhadas ao currículo do município, no entanto, cabe a cada professor fazer uma priorização dos conteúdos e pensar as atividades propostas. Robson conta que busca inovar e insere atividades práticas que sejam possíveis para os alunos realizarem em casa.

Para diminuir as disparidades entre as escolas, dado que cada instituição está com estratégias diferentes, surgiu uma iniciativa na rede de formação de comitês voluntários de João Pessoa para criar orientações e selecionar as habilidades e competências a serem priorizadas nas atividades remotas. Foi realizada uma consulta entre todos os professores da rede. A partir da pesquisa, os grupos de cada área do conhecimento trabalharam na compilação das respostas e construção do documento. O professor Robson faz parte da equipe de linguagens.

As apostilas que são entregues aos alunos não voltam para os professores. A falta de retorno e acompanhamento da aprendizagem dos alunos é uma dificuldade relatada pelo professor. "O aluno faz as atividades, mas não temos contato. O que incomoda é não saber se pode avançar [nos conteúdos] e como", diz. Ele diz que para construir as atividades faz um planejamento em espiral. Isto é, em cada atividade ele traz novos elementos do conteúdo, mas sempre retomando com o que foi trabalhado anteriormente. "A gente vai avançando, mas não sabemos se vai dar certo", afirma. A previsão é que esse material seja revisado na volta às aulas presenciais.

Robson conta que os professores se reuniram para pensar em como poderiam ter um contato com os alunos e tirar as dúvidas sobre os materiais trabalhados. Neste mês, eles planejam fazer um plantão no Zoom, plataforma de chamadas por vídeo, e verificarão a aderência para analisar se é uma iniciativa que vale a pena investir. "Eu me pego pensando como fazer isso [contato com o aluno] de forma analógica", conta. 

Assim como a escola de Robson, a rede de Pariquera-Açu (SP), onde a professora Ingrid dá aula, não aderiu nenhuma iniciativa on-line. No entanto, diferente da realidade do educador, os materiais são disponibilizados semanalmente na escola e as famílias, quando vão buscar as novas atividades, entregam as da semana anterior. A professora corrige e, se necessário, envia um bilhete para a família com um comentário na próxima entrega.

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