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Direito

A dinâmica da Comunicação e a resolução de conflitos judiciais

"...Dessa forma perpetuaremos o respeito, o que sem dúvida refletirá na construção de uma sociedade melhor e transformará a dinâmica do conflito..."

Publicado em 06/04/2020 às 23:51

Advogada Laura Moreira Pinto Santo (Foto: Divulgação )

Advogando há aproximadamente 15 anos, por muitas vezes notei que os conflitos judiciais deixavam de ser solucionados em razão da forma com que as partes e/ou os operadores do direito se comunicavam entre si e não pela questão jurídica propriamente dita.  

Isso porque a postura adversarial adotada pelos envolvidos não colabora para a conciliação, ao contrário, alimenta mais o conflito, reforçando mágoas e o sentimento de injustiça das partes ou rompe com a urbanidade tão necessária entre os operadores do direito.

Estudando um pouco sobre comunicação como ferramenta de aperfeiçoamento, cheguei ao esclarecedor conceito de comunicação não-violenta.

Antes, rapidamente, podemos dizer que a comunicação se apresenta em três instâncias: a verbal (escrita ou falada); a não verbal (que não necessita ser dita ou escrita, revelando-se pela postura corporal e expressão facial); e a mediada (realizada por meio de um recurso que liga as partes). Para que haja comunicação é preciso: um emissor (quem envia a mensagem); uma mensagem (informação); e um receptor (quem recebe a mensagem).

A boa comunicação deve ser efetiva e não violenta. Isso exige que o emissor transmita sua mensagem ao receptor de forma clara e que o receptor busque entender a mensagem para só então responder. Esse processo deve ser livre de julgamentos, distorções e ataques ao outro, focando no que realmente está sendo transmitido em termos de mensagem.

Podemos dizer que a comunicação não-violenta é uma forma de se comunicar que respeita a si mesmo e ao outro. Vai muito além de somente falar o que pensa de forma irrefletida e impor ao outro a sua necessidade pessoal ou de informação, pois ao enviar uma mensagem é preciso se colocar no lugar daquele que irá recebê-la e tratar o seu semelhante como você gostaria de ser tratado.

A prática da comunicação não-violenta pelos Conciliadores, Mediadores e Magistrados tem trazidos resultados muito positivos junto aos CEJUSC’S e Varas Judiciais do Brasil, e juntamente com essa visão de comunicação efetiva outras técnicas têm sido aplicadas. Entre elas destacamos a Constelação Familiar e a Justiça Restaurativa, pois ampliam a visão do conflito e descortinam o que precede ou é concomitante a ele, ou seja, o seu real motivo, olhando para todo o sistema relacional e não apenas para a técnica processual cabível ao caso concreto.

Dada essa evolução na forma de olhar o conflito, surgiu o termo Direito Sistêmico. Este termo foi cunhado por Sami Storch, Juiz de Direito que trabalha na Comarca de Itabuna, Bahia, e há mais de 10 anos pratica as técnicas de constelação familiar nos processos em que atua, sendo um dos precursores de sua aplicação no Judiciário brasileiro. O Direito Sistêmico inaugura a análise do conflito sob uma ótica baseada nas ordens superiores que regem as relações humanas, segundo a ciência das constelações familiares sistêmicas desenvolvida pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger.

É importante lembrarmos onde aprendemos a nos comunicar: em nossos lares. Elisama Santos, em seu livro “Educação não-violenta: como estimular autoestima, autonomia, autodisciplina e resiliência em você e nas crianças” é categórica ao dizer: “É na infância que os filhos aprendem quem são e começam a traçar a personalidade dos adultos que serão.”

 A princípio, a criança se comunica com poucos recursos, mas o faz de maneira limpa e instintiva, demonstrando o que sente e enxerga no meio familiar; o adolescente, já com mais clareza, passa a refletir sobre o que comunica e traz consigo as referências dos seus pais; o adulto, mesmo de forma madura e bastante polida, informa o que pretende e reage ao que ouve, podendo elaborar melhor as suas posturas, mas continua espelhando a forma como foi educado. Logo, o primeiro modelo de comunicação é o que aprendemos na nossa família.

Outro ambiente em que a forma de comunicação irá influenciar definitivamente as nossas vidas é o da Escola. Atualmente a disciplina positiva é assunto em voga quando se fala em educação ante a relevância de sua aplicação pelas famílias e escolas, sendo entendida como um modelo educativo composto por firmeza, afeto e empatia.

Sendo certo que a infância é a fase crucial para a ampla formação do ser humano e que bons resultados na educação estão diretamente ligados à forma como nos comunicamos com as crianças/educandos, o que se deve fazer estabelecendo diálogos e cooperação visando buscar entender e respeitar as suas necessidades para lhe dar ferramentas de expansão física, emocional e cognitiva e firmar os necessários limites para o seu desenvolvimento adequado, é de suma importância a mudança de paradigma nos meios de formação do ser humano.

Se começarmos a ouvir e entender o outro para então respondê-lo como quem entendeu ou quer entender aquilo que está sendo dito, sem julgamentos e distorções, nosso comportamento se moldará de forma positiva em cada um dos espaços que ocupamos, seja no contexto familiar, do trabalho ou socialmente.

Dessa forma perpetuaremos o respeito, o que sem dúvida refletirá na construção de uma sociedade melhor e transformará a dinâmica do conflito.

Laura Moreira Pinto Santos, mãe do Enrico de 2 anos e 4 meses, Advogada, Pós-graduada em Direito Civil e Empresarial, Direito Processual Civil e Direito Público. É parceira do projeto Abra a Caixa. Atualmente cursando extensão em “Direito Sistêmico e as Constelações Familiares na resolução de conflitos” na Hellinger Schulle em parceria com a Faculdade Innovare, São Paulo.

E-mail para contato: laura.m@adv.oabsp.org.br.


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