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Opinião

Atravessando a rua

A médica Helena Souza, de Registro fala da importância da valorização à ciência aliada à medicina preventiva em tempo de coronavírus

Publicado em 28/03/2020 às 03:42
Atualizado em

Médica Helena Souza (Foto: Divulgação)

Olá, meu nome é Helena, sou médica na UBS centro de Registro (sim, médica do postinho). Preciso te contar uma coisa: 

Nós combatemos mortes todos os dias na medicina da família, orientamos sedentários a se exercitar, obesos a emagrecer, hipertensos e diabéticos a se alimentarem corretamente e prescrevemos medicamentos para controle das comorbidades, orientamos e vigiamos as gestantes e crianças, tentamos encontrar os tuberculosos, os aidéticos, os sifilíticos. Com um pensamento único: prevenção

Trabalhamos prevenindo problemas todos os dias do nosso trabalho, todo santo dia. Baseados em crenças? Achismos? Superstições? Ou dados de whatsapp? Não.

Utilizamos informações de estudos, de todos os lugares do mundo. Usamos estatísticas e números para saber, quais são os riscos de cada fator. O que preciso ou não controlar, para diminuir as chances de morte ou comorbidade. Não nos contentamos com opiniões, queremos ter provas de números. 

Se você já foi meu paciente, quando tento explicar sobre isso, dou o seguinte exemplo:

Atravesse a rua, e responda a estas perguntas: 

Eu tenho chance de ser atropelado? 

Se eu atravessar sobre a faixa de pedestres, com o sinal do pedestre aberto para mim, tenho chance de ser atropelado? 

Se eu atravessar fora da faixa de pedestres, com o sinal aberto para os carros, tenho chance de ser atropelado? 

E agora entenda, nenhuma das respostas acima é 100% sim e 100% não. Trabalhamos com chances, comparamos os riscos. Atravessar sobre a faixa, tem uma chance muito menor do que no meio dos carros, fora da faixa. Pode ocorrer uma exceção? Sim, em qualquer uma das hipóteses. Mas você tem mais ou menos chance, você corre mais ou menos risco.

Da mesma forma entendemos a medicina. Nada é 100% sim ou não. Trabalhamos com chances e riscos para tomar decisões.

Através das informações do mundo todo, a comunidade médica mundial chegou num consenso: se deixarmos essa virose agir sem ações de prevenção adequadas, teremos mortos e sequelados. Pais, tios, primos, avós, amigos, parceiros, chefes e funcionários, sequelados, ou mortos. Pessoas com nome, RG, CPF, família.  

Em algum momento esta doença vai bater na minha porta, e na sua também. Eu quero ter a paz de espírito de me lembrar que fiz de tudo para evitar uma morte evitável. 

Da mesma forma que sempre me cobro, se fiz de tudo para evitar uma sífilis congênita, um acamado por AVC, um enfisematoso por tabagismo, uma morte por câncer de colo do útero. Isso não é novidade na minha rotina. 

E continuo afirmando, prefiro ser taxada de alarmista se tudo der certo, do que ser cobrada por não ter feito meu trabalho preventivo. 

Sigam as informações de quem estudou pra isso, afinal de contas é pra isso que servimos não? Você não vai até uma engenheiro pedir que ele faça sua cirurgia de apendicite. Nem me procuram para planejar a logística de distribuição de uma empresa. 

Então por que você procura a opinião do seu colega de whatsapp e não a de um epidemiologista, de um virologista, de um infectologista?

Negócios falidos podem se reerguer, pessoas falecidas ainda não conseguimos ressuscitar.

Se você quiser se arriscar, não coloque em risco outras pessoas. Elas não devem pagar pela sua decisão.

Claro que teremos problemas econômicos, se vc é um dos comerciantes prejudicados, procure ajuda de um especialista, realmente não tenho as respostas. Procure o Sebrae por exemplo. Mas não coloque seus funcionários e clientes em risco".


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