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COVID-19

Vacinas de Covid salvaram até 63 mil idosos nos primeiros 8 meses da campanha

Artigo de pesquisadores do Observatório COVID, que tem cientistas da Unesp entre seus autores, estima que vacinação evitou até 178 mil hospitalizações

Publicado em 29/11/2022 às 11:03
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Um artigo científico escrito por pesquisadores do Observatório COVID-19 BR, com participação de cientistas da Unesp, Fiocruz, Unicamp, UFABC e USP, faz uma análise estatística apurada para dimensionar, em números, o papel fundamental da vacinação em massa contra a Covid-19 e a eficácia desta estratégia sanitária implementada em meio a muita desinformação e hesitação ao longo da crise sanitária instalada no Brasil.

A análise feita no trabalho indica que, em estimativas consideradas conservadoras pelos autores, as vacinas contra a doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 salvaram de 54 mil a 63 mil vidas de idosos com 60 anos ou mais de janeiro a agosto de 2021. Neste mesmo período, a imunização também evitou de 158 mil a 178 mil internações de idosos nos hospitais brasileiros. O artigo “Estimating the impact of implementation and timing of the COVID-19 vaccination programme in Brazil: a counterfactual analysis” foi publicado nesta segunda-feira (21 de novembro) como um dos destaques da edição do periódico The Lancet Regional Health Americas, da Elsevier.

Para chegar a estes números, os pesquisadores se concentraram nos primeiros meses em que as vacinas começaram a ser aplicadas no país e nas faixas etárias dos idosos, os primeiros a completarem o esquema vacinal pelo calendário do programa de imunização. Ao traçarem a curva de mortes e hospitalizações por Covid-19 na população brasileira, sobrepondo-a à curva similar nos grupos de idosos que estavam sendo imunizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2021, ficou evidente a correlação positiva entre vacinação e prevenção de mortes e casos graves: quanto mais crescia a cobertura vacinal nos idosos, mais se reduzia o impacto da Covid-19 nesses grupos com 60 anos ou mais.

Com o modelo de análise contrafactual construído, assumindo que a imunização está diretamente relacionada à queda de casos graves e mortes e que a exposição à infecção pelo SARS-CoV-2 era a mesma para todas as faixas etárias ao longo do período analisado, foram construídos cenários distintos de forma a compará-los com um suposto cenário de ausência total de imunização. Daí foi possível observar uma redução de aproximadamente 35% nas internações hospitalares de idosos de janeiro a agosto de 2021. Tomando-se por base que cada pessoa hospitalizada representou, durante a pandemia, um custo médio no Brasil de US$ 12 mil, as internações que foram evitadas, em número estimado entre 158 mil e 178 mil, representaram uma economia para o sistema de saúde calculada em uma faixa de valores de US$ 1,9 bilhão a US$ 2,1 bilhões, impacto comparado pelos pesquisadores no artigo aos US$ 2,2 bilhões investidos em imunizantes pelo país no período analisado, até agosto de 2021.

“Nosso modelo parte do princípio de que o comportamento da epidemia, nas diversas faixas etárias, é o mesmo. Não no sentido de que eles tenham o mesmo número de casos, mas que têm o mesmo comportamento de subida e descida, mais ou menos no mesmo momento. Se a gente pega uma faixa etária que não está recebendo a vacina naquele momento e compara com uma faixa etária que está recebendo a vacina, há diferença neste comportamento. O número de casos graves em idosos começou a descer, enquanto o número de hospitalizações em pessoas mais jovens continuava a subir. Este comportamento é devido à vacinação naquela população. Esta é a variável explicativa para a diferença entre essas duas faixas etárias”, diz o pesquisador Leonardo Souto Ferreira, primeiro autor do artigo e pesquisador do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp. “O fato de as vacinas terem feito diferença é algo incontestável.”


O professor Roberto André Kraenkel, orientador de Ferreira na pós-graduação do IFT e também coautor do artigo, acredita que a elaboração de um método para quantificar, em uma determinada faixa da população, o efeito da vacinação contra a covid-19 ajudará também em discussões mais amplas sobre o benefício das imunizações para a sociedade. “Existem muitas correntes hoje em dia um tanto conciliatórias pondo em debate se as vacinas funcionam ou não. E a gente está mostrando que, sim, funcionam”, afirma Kraenkel, um dos líderes científicos da iniciativa interinstitucional do Observatório COVID-19 BR. “O fato de a vacinação ter, em sete meses e em uma faixa da população acima de 60 anos, evitado algo próximo de 60 mil mortes e 165 mil hospitalizações mostra números muito impressionantes, muito altos”, diz.

Dos dez pesquisadores autores deste artigo científico, três são da Unesp. Além de Roberto Kraenkel e Leonardo Souto Ferreira, assina o artigo o também pesquisador do IFT-Unesp Rafael Lopes Paixão da Silva.

Mais vidas poderiam ter sido salvas

O estudo vai além de quantificar o número de vidas salvas pelas vacinas no Brasil. Diante da série de desinformações que permearam o debate sobre as compras dos imunizantes no país, que atrasou o início da campanha e culminou na substituição do ministro da saúde Eduardo Pazuello por Marcelo Queiroga em março de 2021, a análise dos pesquisadores construiu outros dois cenários para dimensionar quantas vidas poderiam ter sido salvas e quantas hospitalizações poderiam ter sido evitadas caso a vacinação em massa contra a Covid-19 começasse com o ritmo de aplicação de doses mais acelerado, como o verificado quatro semanas depois e oito semanas depois da data inicial da imunização, em 18 de janeiro de 2021. Esses cenários são descritos como de moderada e alta aceleração da imunização, respectivamente.

Embora tenha sido iniciada em janeiro, a imunização no Brasil foi ganhando escala aos poucos: o patamar de 250 mil doses por dia foi atingido entre fevereiro e março, o de 500 mil doses diárias entre abril e maio e o ritmo de 1 milhão de doses por dia se consumou em junho de 2021. Se o ritmo de aplicação de doses da campanha de imunização fosse igual ao verificado oito semanas depois de seu início, por exemplo, o número de mortes de idosos poderia ter sido de 40% a 50% menor em relação àquele observado no pico da variante de preocupação (VOC) Gama do SARS-CoV-2, segundo o estudo. As estimativas indicam que outras 47 mil vidas de idosos poderiam ter sido salvas, e aproximadamente um adicional de 104 mil hospitalizações poderia ter sido evitado, num cenário de maior aceleração das imunizações. A disseminação da variante Gama foi marcada por uma dramática crise sanitária em Manaus, no Amazonas, em janeiro do ano passado e determinou atitudes mais extremas por parte de alguns agentes públicos, como o lockdown decretado em fevereiro na cidade de Araraquara (SP).

“Ainda que não pudéssemos evitar a emergência da variante Gama, visto que ela surgiu em novembro e as vacinas foram disponibilizadas em janeiro, uma vacinação rápida poderia diminuir consideravelmente o pico de hospitalizações e óbitos, especialmente entre idosos e principalmente nos estados em que a Gama demorou um pouco para chegar”, afirma a pesquisadora e coautora do artigo Flávia Maria Darcie Marquitti, do Instituto de Física Gleb Wataghin e do Instituto de Biologia, ambos da Unicamp.

O estudo destaca que, em meados de 2021, a imunização da população brasileira cumpriu um “papel decisivo” para impedir uma nova onda severa de hospitalizações e mortes quando outra variante de preocupação do SARS-CoV-2, a Delta, começou a se disseminar pelo país e tornar-se predominante. Àquela altura, a vacinação já estava em ritmo bastante acelerado, similar ao de campanhas anteriores, como na aplicação de doses contra o vírus H1N1 em 2010, quando o SUS vacinou 88 milhões de pessoas em três meses. “Quando a Delta chegou, encontrou dificuldade maior de circular”, diz Marcelo Gomes, coautor do estudo e pesquisador da Fiocruz.

Adaptação de gráfico: Andrea Cardoso/ACI Unesp

Os pesquisadores destacam que as vacinas de primeira geração contra a Covid-19 permitem que o nosso organismo “aprenda” sobre determinado vírus sem que a pessoa sofra o impacto da infecção trazida por ele, evitando o risco de agravamento e de morte. “Isso precisa ficar muito claro para a nossa população. As vacinas têm um impacto social tremendo, não só direto quanto indireto. Quanto menor for o número de internações, melhor podemos alocar os recursos para atender aqueles que ainda assim acabam agravando ou que sofrem de outras doenças”, pontua Marcelo Gomes.

Evidências contra a hesitação vacinal

Apesar de o estudo se concentrar na população acima dos 60 anos, para os pesquisadores ele dialoga com a questão da vacinação infantil. Aprovada na segunda quinzena de dezembro de 2021, a imunização do público de 5 a 11 anos foi iniciada na segunda quinzena de janeiro de 2022, coincidindo com o pico da variante Ômicron do SARS-CoV-2. Os questionamentos criados em torno da vacinação infantil contribuíram para o que os pesquisadores chamam de “hesitação vacinal”, ou seja, dúvidas por parte da população em relação à segurança e à eficácia dos imunizantes.

“A quantificação de qual é o tamanho do estrago feito por atraso de vacinação tem importância também para se atribuir responsabilidades às pessoas que tomaram decisões inapropriadas nos momentos em que era preciso agir. Vejo a importância desses resultados neste contexto”, afirma o professor da Unesp Roberto André Kraenkel.

Segundo dados disponíveis no site “Vacinômetro”, do Ministério da Saúde, e colhidos ao final da primeira quinzena de novembro de 2022, 30,3 milhões de idosos com 60 anos ou mais tomaram duas doses ou dose única da vacina contra a covid-19, o que representa cerca de 97% de cobertura vacinal, tomando como referência os 31,2 milhões de idosos existentes no país, estimativa feita pela PNAD Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2021. A cobertura vacinal, entretanto, cai consideravelmente, para 53%, se computados apenas os idosos vacinados com todas as doses, até a segunda dose de reforço (quatro doses no total), fato que ocorre também com o restante da população.

O pesquisador Leonardo Souto Ferreira lembra que, no período analisado de 2021, os idosos representaram 46% das hospitalizações no Brasil. “Estes números que estimam as vidas salvas são muito importantes para também motivar a população a procurar a vacina e se proteger”, diz Ferreira.

No último dia 12, com a constatação da formação de uma nova onda de casos atribuída à disseminação da sublinhagem BQ.1 da variante Ômicron, o Ministério da Saúde emitiu uma nota técnica recomendando às vigilâncias epidemiológicas estaduais e municipais “a completude do esquema vacinal, com especial atenção às doses de reforço”.

Desde o início da pandemia, em março de 2020, a Covid-19 já causou a morte de cerca de 689 mil pessoas no país.

Entre as referências citadas pelo autores no artigo publicado no periódico The Lancet Regional Health Americas, lembra Leonardo Souto Ferreira, está um artigo do pesquisador Rafael Izbicki, da UFSCar, que quantificou o número de vidas salvas pelas vacinas contra a covid-19 no Estado de São Paulo. Os autores do artigo científico, todos integrantes do Observatório COVID-19 BR, tiveram apoio da Fapesp, Capes, CNPq, Faperj e Inova Fiocruz.

O Observatório COVID-19 BR é uma iniciativa independente que resultou da colaboração entre cientistas de diferentes instituições no sentido de compartilhar análises estatísticas com um público mais amplo ao longo da pandemia.

*Colaborou Cristina Azevedo, da Agência Fiocruz de Notícias


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